30/07/07

dos sapatos da pastora a um aperto de mão

O Teatro do Gerifalto dirigido pelo poeta António Manuel Couto Viana, além de peças em directo na RTP, teve temporadas fantásticas no Monumental e Eden e especialmente no Teatro da Trindade, onde me estreei oficialmente no "Natal de Mestre Bento" em Dezembro de 1961, contacenando com a actriz Maria Bastos, que também foi minha colega no Rádio Ribatejo, nos Emissores Associados de Lisboa e mais tarde na RDP / Antena 1.
Os espectáculos do Teatro Gerifalto graças ao apoio da CML e Fundo Nacional de Teatro eram gratuitos, excepto em algumas sessões de Natal e Carnaval. Estavam sempre super-esgotados nos espectáculos normais com a presença de alunos da região de Lisboa ou nas sessões especiais com as famíliasNas épocas festivas chegávamos a fazer 3 sessões aos sábados, domingos e feriados; uma de manhã e duas à tarde, pelo que almoçavamos e lanchávamos no Teatro.

Certa vez, entre dois espectáculos da tarde, a Maria Bastos, uma profissional pontualissima, que interpretava a pastorinha (que está ao meu lado na imagem) foi lanchar a uma pastelaria em frente do teatro demorando-se mais do que previra.

À deixa "Catrina, Catrina !..." deveria entrar para me dizer onde estava uma das cabrinhas que ofereceria ao Mestre Bento, que acabara de ser pai.

Mas nesse dia por mais que chamasse a "Catrina" ... ela não aparecia!

Para "fazer tempo", já fora da marcação, procurei a "Catrina" por todo o cenário, e sem saber que mais fazer, suspirei de alivio com a chegada da pastorinha que finalmente surgiu "dentro da personagem", mas mais alta de que de costume, o que não era para admirar, porque com a precipitação entrara... de saltos altos.

Felizmente o vestido comprido de pastora disfarçou... e ninguém se apercebeu do anacronismo, para além de nós dois.

A minha colega, e grande amiga até hoje, é que jurou e cumpriu que nunca mais voltaria a lanchar fora do Trindade, porque o Teatro, mesmo para crianças, é assunto sério.

De outra vez, no final do mesmo espectáculo, tive um dos momentos pessoais mais marcantes dessa fase da minha vida, quando um pequeno espectador de nove / dez anos me encontrou à saida do teatro e sem confundir o intérprete com a personagem inquiriu:
- O senhor, desculpe, é o que faz de pastor, não é?
- Sou... e com os olhos brilhantes de alegria e simpatia pediu:
- Então, deixe-me apertar-lhe a mão...

E apertou com força a mão deste jovem principiante que eu então era e que ele vira a fazer de pastor ...

Não foi mais uma assinatura num papelito qualquer, como alguns queriam e que rapidamente esqueciam, mas um gesto especial, sincero, daqueles que ficam para sempre no coração.

Em momentos menos bons recordo aquele sentido aperto de mão, como que a dizer, força, continua.

Aonde quer que estejas, pequeno-grande espectador, Obrigado!